Esta noite tive um pesadelo. A estrada dividia-se em duas e as duas metades deixavam de ter ligação. Tu seguias pela primeira metade, eu pela segunda. Durante parte do percurso, conseguia ainda ver-te caminhar, como em duas linhas pararelas que seguem lado a lado sem nunca se cruzar. Via-te sem te poder tocar, ouvia-te sem que me ouvisses a mim, gritava o teu nome e permanecias impenetrável do teu lado da estrada, do teu lado da vida. Os obstáculos entre os dois caminhos eram cada vez maiores e era cada vez mais difícil ver-te. Enquanto a tua metade alargava, a minha tornava-se mais afunilada. Do teu lado, ia surgindo vida. Ouviam-se passos, vozes, risos; não sei se era felicidade, se era só o barulho das luzes. Avançavas e eu, com vontade de ficar parada, avançava com o objectivo único de não te perder de vista. Mas ias erguendo muros pelo caminho e, rapidamente, deixei de te ver; já só sentia a tua presença do outro lado do muro, do outro lado da estrada, do outro lado da vida. Comigo caminhavam sombras. Sombras de mim e de ti. Sombras de mãos dadas, sombras que se abraçavam, sobras que se tocavam, que se beijavam. Sombras que me assombravam e que não podia expulsar porque seguravam agora a outra metade de mim. Sentei-me numa pedra alta, cinzenta, à espera. À espera que o tempo passasse, à espera que as sombras se desvanessessem, à espera que o ar se tornasse respirável, à espera de saber o que o meu lado desse caminho eternamente paralelo pudesse reservar para mim. Acordei sobressaltada, de peito pesado. Olhei em volta e não havia fotografias nossas nem o teu quadro pendurado na parede. As minhas mãos estavam vazias e o quarto sombrio, despido de vestígios de ti. Esta noite não tive um pesadelo. Esta noite fui assombrada pela realidade; pela minha realidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário