É curioso como todas as pessoas já tinham visto que a paixão se desvanecera, que não me olhavas da mesma maneira, que era já tudo menos amor. Esse amor, pelo menos. É curioso como todos, antes de nós, antes de mim, tinham percebido que o futuro estava apagado, já não existia. Disse-te que não querias assentar, que nunca terias ido viver comigo porque querias voltar para aquilo que era a tua vida antiga. Estava enganada. Em negação. Acho que assentar é ainda o que queres, e que estará para breve; só já não queres e não querias fazê-lo comigo, só já não era comigo que querias partilhar o resto da tua vida. Ou talvez queiras, talvez queiras ainda que faça um bocadinho parte da tua vida: como a amiga com que viveste durante o último ano e meio de relação; sim, foi isso que fui para ti durante esse tempo, não mais. Não o farei. E vou deixar ainda no insondável os motivos pelos quais ficaste em relação. Estou já menos zangada comigo por ter ficado - eu tinha de ficar. Nunca deixei de te amar, nunca deixei de estar apaixonada e de me apaixonar vezes repetidas; por ti, sempre por ti. Em ti havia paixão, sim, mas não por mim. De todas as vezes em que disseste "nunca vai acontecer", estavas a enganar-te. A enganar-me a mim, mas sobretudo a ti. Porque era o que querias e isso é inegável; aquilo que não conseguiste durante todo aquele tempo, foi abandonar a tua zona de conforto, de segurança. Aquilo que tinhas era válido, era amigável e não mais que isso, mas válido para algumas das tuas necessidades. Estou, por isso, também menos zangada contigo; porque para me enganares a mim, precisaste de te enganar a ti. Porque enganando-me a mim e a ti, privaste-te de mais de um ano e meio de felicidade e paixão. Se por um lado estou desfeita com tudo aquilo que foi acontecendo ao longo dos últimos dois meses, estou também feliz por ti, porque voltaste à vida depois de um enterro prolongado. Estou feliz por ter deixado de ser a terra a tapar a tua luz e desfeita por tê-la sido. E lembro-me, lembro-me bem demais, do fulgor e da intensidade dos primeiros tempos de paixão; mais ainda de uma paixão reprimida antes durante bastante tempo; como é agora a vossa e foi também a nossa. Não fomos uma mentira completa. Num tempo lá muito atrás, no tempo em que me olhavas com um brilho intenso nos olhos, no tempo em que me trazias flores, no tempo em que ouvias música dentro de ti quando me tocavas - porque houve esse tempo - não era mentira. Não fomos uma mentira completa, mas fomos uma mentira. E aquilo que mais lamento, do fundo do meu coração, é ter permitido que o tenhamos sido. Julho de 2012 deveria ter sido o último mês da nossa vida em comum; vida essa que foi muito para além dele e que, por isso, por ter ido além de um amor recíproco, destruiu grande parte do que ficou para trás, do que foi. Aquilo em que acredito é agora pouco, quase nada. Acredito no tal brilho e no encantamento inicial; em pouco mais. E há uma dor enorme - talvez a maior de todas - por acreditar que gostas genuinamente de mim; porque sim, sei que gostas genuinamente de mim, mas é um gostar daquela forma que, quando se ama, dói muito. Nunca vou sentir-me ser aquilo que te faz gostar de mim. Lamento muito, lamento profundamente, ter sido não o melhor, mas o pior; lamento mais do que sei dizer, ter-te prendido a mim pela competência enquanto amiga; lamento que o final de nós tenha trazido a certeza de que veio tarde; lamento ter-te roubado vida durante tanto tempo. Espero que aquilo que vives agora compense o tempo perdido, embora se saiba que o tempo não se recupera. Já não dói termos chegado ao fim; o que dói é termos chegado ao fim agora e não no tempo que lhe era devido. E não dói tanto assim saber que tens uma nova vida, porque essa vida te faz feliz; aquilo que dói é saber que essa era a vida que devias ter tido enquanto ainda estavas comigo. Não dói que tenha acabado; o que dói é perceber que acabou há tanto tempo atrás. Não dói que tenhas recomeçado; o que dói é saber que o recomeço era o que querias quando ainda te deitavas ao meu lado. Não dói saber que não me amas; o que dói é reconhecer finalmente que não me amavas há tanto tempo, que talvez nunca tenhas ido além do encantamento. Não dói saber que estás feliz; aquilo que dói é saber que foste tão infeliz comigo, pelo simples facto de estares comigo. Dizias muitas vezes que fui o melhor que te aconteceu na vida, que fui o melhor que tiveste na vida - disseste-o há bem pouco tempo; dói muito saber que não é verdade. O melhor que te aconteceu na vida foi teres tido a coragem de te libertar, o melhor que hás-de ter na vida é aquilo que a vida está a dar e há-de dar-te por teres tido essa coragem. Dizias também, disseste-o há tão poucos dias, que havias de amar-me para sempre; amor fraterno, sim, acredito. Eu costumava dizer também, disse-to há tão poucos dias, que havia de amar-te para sempre; por estar um bocadinho menos zangada contigo e comigo, espero, espero do fundo da alma - se a alma tiver fundo -, encontrar força que me permita refazer-me depois da morte de mim. Porque a morte de mim é a única forma de deixar de te amar. E embora doa todos os dias de uma forma incomensurável, acredito, acredito agora na vida depois da morte. Porque morri e estou viva, porque sei que tenho de morrer ainda, e sei que continuarei viva. Vou largar-me sem fronteiras e sem limites, vou ser pouco eu, nada eu; ou tudo eu, um novo eu. Nasce agora uma nova identidade; não uma identidade sem memória, mas uma identidade de memória entorpecida. E hei-de matar todas, todas (!), até que nasça aquela que tenha deixado de te amar. Mesmo que seja a última, ou nenhuma, hei-de matar todas.
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